Vamos conversar sobre destralhar.

Um dos temas que mais surge nos desafios de quem chega até mim é a necessidade de destralhar a casa - um passo fundamental em qualquer organização de espaço.

Ao pensar em destralhe, vem me sempre à memória a história sobre a chávena cheia.  Encontrei um texto de Silvia Kawanami que conta esta história sobre Nan-in, um mestre zen chinês que viveu na era Meiji (1868-1912) e que recebeu a visita de um professor universitário que estava muito intrigado com a influência que o mestre exercia nos jovens e no modo comm era admirado pela sua sabedoria, sensatez, prudência e simplicidade.

Durante a conversa, o professor interrompia o mestre com frequência para impor ao suas convicções, mostrando a sua incapacidade de ouvir e aprender as sábias leões que o mestre tentava passar através da sua experiência.

Foi ai que o mestre ofereceu-lhe um chá e o serviu com toda a calma do mundo. Mesmo após a chávena estar cheia, o mestre continuo a deitar o chá sobre a chávena. O professor não se conteve: "Por acaso, não percebe que a chávena está completamente cheia e que já não cabe mais nenhuma gota?"

O mestre então, parou de deitar chá sobre a chávena e disse calmamente: "Assim como esta chávena, o senhor está cheio de opiniões e conceitos pré-estabelecidos. Desta forma, como poderá entrar num novo ensinamento? Como poderei dar-lhe novas ideias e perspectivas, se não tem espaço para elas?

O mesmo acontece com a nossa casa.

Vamos deixando passar os anos e vamos acumulando tantos objectos que perdemos a conta ao que temos no nosso espaço.

Da mesma maneira que acumulamos parafernália externa, vamos também colecionando muita tralha interna. Muitas ideias, crenças, hábitos que vamos enraizando como verdades absolutas, padrões, hábitos que recebemos de outros e que nunca questionamos, passando a replicar inconscientemente nos nossos espaços e nas nossas vidas. 

Lembro-me de numa conversa com uma cliente, ela me dizer que sempre deitou os restos da sopa pela sanita e quando lhe perguntei porque o fazia, disse-me que era assim que a sua mãe fazia e ela nunca se tinha questionado que poderia existir outro modo de o fazer. 

A acumulação nas casas por vezes acontece porque foi esse o modelo que nos foi "ensinado".  Pode também acontecer termos tido um modelo familiar onde a casa estava excessivamente organizada e arrumada, até ao mais ínfimo detalhe, e isso nos ter levado a colocarmo-nos no extremo oposto e ter agora a nossa casa desarrumada e desorganizada. 

Digo sempre aos meus clientes que destralhar não significa deitar tudo fora. Não temos de seguir nenhum padrão estabelecido do destralhe e eliminar tudo da casa, passando a viver com uma camisola, uma saia e umas calças.

 

Destralhar é encontrar o caminho do meio.

Destralhar é simplesmente olhar com consciência para tudo (mesmo tudo) o que temos em casa e fazer uma escolha consciente do que queremos manter e o que queremos deixar ir. Optarmos por manter tudo o que adiciona valor à nossa vida e deixar ir o que já não faz sentido.

O destralhe tem várias camadas, tal qual uma cebola.

O grau de desafio vai obviamente aumentando à medida que nos aventuramos nas camadas mais internas que nos permitem chegar ao nosso núcleo. Por vezes é fácil, outras vezes menos.

Existem várias técnicas que nos ajudam a dar alguma estrutura para que não nos percamos no processo.  No momento em que estamos a selecionar o que manter e deixar ir, podemos utilizar o método da Marie Kondo que nos remete para a nossa intuição e para o nosso sentir. Pessoas que sentem mais dificuldade em ligarem-se ao sentir, esta metodologia pode ser desafiadora.

Para mentes mais racionais pode ser mais fácil quantificar e contabilizar toda a energia (tempo, dinheiro,...) que têm de colocar no objecto para o manter (ou eventualmente transportar se estiver a mudar de casa) versus os benefícios que têm em mantê-lo.

Deixar ir

Pessoalmente sempre me foi mais desafiante deixar ir objectos que me mantinham memórias de momentos particulares da minha vida ou objectos criados por mim. Como sensitiva, sempre me permiti sentir a emoção que o objecto me transmitia e decidir com o coração em função desse sentir. É o método que mais uso comigo.

Agora o destralhe mais difícil foi o interno. Depois de eliminar fora, chega o momento em que a casa te leva para dentro e começas a sentir uma necessidade visceral de eliminares o que já não te adiciona valor, o que tem servido de entrave na tua vida, o que te mantém agarrada/o a padrões e crenças que sufocam.

Levou-me a percorrer um caminho de identificação de ambiente não saudáveis onde permaneci, ajudou-me a ver a toxicidade de alguns relacionamentos e o impacto que isso teve em mim, no meu próprio comportamento e acções.

Recorrendo a ferramentas e técnicas que já tinha, e outras que vim a adquirir, o destralhe interno foi-se suavizando e agilizando.

Todo o processo permitiu-me ver com mais clareza e consciência emocional que muito é fruto de feridas, trauma e dores profundas que não são olhadas, reconhecidas, acolhidas e transmutadas. Este caminho tem me ajudado também a trabalhar limites pessoais e a reconhecer o direito e necessidade de fazer escolhas em amor e respeito por mim, mesmo que incompreendidas e não aceites pelo outro.

Destralhar não simplesmente deitar fora.

Vai muito além disso. É olhar para dentro, é olhar para o que carrego, é olhar para o que permito entrar na minha casa. Seja um móvel, um comportamento, uma energia. 

É também olhar para a relação que mantenho com a Grande Casa. Sinto-me uma parte do todo ou sinto-me desconectada/o? Contribuo como uma inquilina que respeita o espaço e faz escolhas mais conscientes dessa conexão?

É um Caminho. E como qualquer caminho é sempre melhor quando feito com companhia. Com alguém ao lado que receita o nosso processo individual, que acolhe, apoia e dá espaço e força para quando é necessário não nos deixarmos perder e desistirmos. 

Simplesmente porque não é fácil, porque em determinados momentos aquele objecto toca uma memória e surge uma emoção que andava escondida numa gaveta interna, e que nos pode transportar a um lugar desconfortável.

Quando o fazemos sozinhos, e especialmente quando começa a tornar-se mais desafiante, é fácil desistir e optar pelo caminho mais fácil, aquele onde a tralha continua a ocupar aquele espaço na casa, em que continua a manter o seu peso físico e energético sobre nós e sobre o espaço, funcionando como um entrave para que o Novo possa chegar.

E quando a casa está vazia?

E quando fiz o destralhe (voluntária ou involuntariamente) e agora tenho um espaço que também não me reflecte? 

Ai entramos noutra situação e desafio. Passa a ser importante olhares para a história das tuas casas, entender padrões, captar o que elas vão dizendo em surdina sobre ti mesma/o.

Torna-se fundamental escutares, sentires e com uma nova consciência, tomares decisões que te levarão a criar a casa como o teu santuário de prosperidade que é.

Muito haverá a dizer! Ficará para um próximo post, que este já vai bem longo.

Grata por estares ai! 

Abraço profundo e bons destralhes! 

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Organizadora Profissional

Sou a Margarida, Doula das Casas, Especialista em Organização de Espaços residenciais e empresariais. A Acredito que ao organizar fora estamos também a organizar dentro; que ao deixarmos ir o que já não serve, estamos a abrir espaço para o novo; que ao respirar e alongar, deixamos que a nossa casa e o nosso corpo se liberte do que bloqueia e que tudo passe a ser mais fluído…